terça-feira, maio 16, 2006

O Rádio, o Rio e uma grande amiga, irmã até no nome.





O rádio , volta e meia, mostra que está bem vivo.

Acessório indispensável em muitas situações, recentemente vivi uma delas quando, passando em frente a um Maracanã onde Flamengo e Atlético Mineiro se enfrentavam, resolvi assistir à segunda metade da partida, e cheguei como pé-quente: em poucos minutos de segundo tempo, o rubro negro carioca ampliou o placar. Ante o encantamento de sempre com que o Maraca nos presenteia, eu acompanhava a partida buscando identificar os jogadores. Fosse o tempo de Zico, Adílio, Andrade, e eu saberia exatamente quem estaria no comando da esférica. Mas como não sei identificar "Leos","Jonathas" e outros que compõem o atual elenco do clube da Gávea, caiu como um raio a saudade de um velho companheiro: O rádio.


O rádio da casa dos meus avós , na Várzea do Caldas, Bahia, se bem me lembro, era em madeira, com telas de tecido na proteção do alto falante, botões grandes frontais e um "dial" que trazia ondas em diversas metragens de banda. Trazia Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Bahia X Vitória, discurso de político, noticiário, trazia a vida de São Paulo - a capital do sertanejo migrante, de tantos que saíam daquelas paragens em paus de arara; trazia a vida do Rio - a capital da imaginação, pelo menos a minha, que imaginava de longe a beleza e a alegria da cidade maravilhosa. E em ondas curtas, ladainhas em inglês, japonês, árabe, espanhol, alemão, entre ruídos e entrecortes de interferência - a rádio "fugia" ou "voltava". E sempre havia a "rádia" preferida, como matutos se referiam às emissoras...Tudo chegava pela antena que se colocava em cima da casa, um fio comprido ligado por dois pinos , de ponta a ponta do telhado que olhava o céu do sertão, a cobertura da Chapada Diamantina.







As ondas nos traziam restritas e censuradas notícias de Brasília. A vida nos levou até ela.
Na Capital , meu pai, investido nas suas novas funções no Ministério da Educação, viajava o país inteiro a serviço, e de uma dessas viagens me trouxe um rádio de Manaus. Um Mitsubishi, com capa de couro, que acho hoje ser o meu I-pod de então. Não havia emissoras FM, na capital, naquele início de anos 70. Só rádio AM e Ondas curtas, mas que eram o meu almanaque falado, e cantado: "O Globo no ar", a "Turma da maré mansa" e o melhor programa de todos vinha com um anúncio :"Hello Crazy People, aqui fala Big Boy, apresentando o Baile da Pesada!!!.

O discotecário carioca,figuraça e muito louco, pela rádio Mundial, me levava os primeiros acordes da música que toca e tocará sempre a vida de muita gente dos 12 anos em diante: o rock, o soul, a cena pop do momento. Digo isso pois vejo meus filhos repetirem essa trajetória no seu gosto musical, sem prejuizo do ecletismo e da saudável disposição a conhecer outros estilos.

Pela Mundial eu ouvi certas músicas somente uma vez, e faltando pedaços, que a "estática" se encarregava de encobrir, inclusive o anúncio do título e do intérprete. Hoje em dia, a estática está aposentada: As rádios FM tocam as músicas e não esclarecem nem quem as está cantando, quanto mais que as compôs.

Mas o som que vinha do Rio me trazia a Motown, a legendária gravadora de black music norte americana: Diana Ross, Jackson Five, Gladys Knight,The Commodores, Stevie Wonder. Do outro lado do quarto, meu irmão mais velho ouvia as mensagens cifradas da MPB engajada de Chico, Caetano, Gil driblando a censura, cinzeiro em cima do jornal Pasquim...
Eu ligava o meu rádio e através do "egoísta" (como chamavam o fone de ouvido mono) tentava conhecer um pouco daquele Rio distante, através dos anúncios das lojas, lanchonetes ( vivia a imaginar o sabor de um lanche no Gordon, no pioneiro Bob´s) do noticiário, e principalmente do que seria a atmosfera envolvida por aquela música que nem brasileira era, mas que parecia tanto com o Rio.

Que outra cidade poderia nos revelar a autenticidade de um Cassiano, um Hildon, um Tim Maia, uma Lady Zu em sua soul music, no rithm'n blues? Podem os guardas alfandegários das fronteiras musicais terem implicado em muito com eles, mas quero dizer aqui: Tinhorão, críticos, naquela época eu nem sabia quem eram vocês. Segundos cadernos de jornais: Eu não os lia. Que bom.

Refleti muito sobre isso nesse fim de semana, tocando meu djembé com vassourinhas, cajon e pratos, num Shopping em del Castilho em acompanhamento a uma querida amiga, cantora admirada e talentosíssima: Claudia Telles, com o mestre Marcelo Lessa ao violão..

Diante de uma platéia onde as estrelas eram as mães , as homenageávamos com um repertório de Jobim, presente no último Cd da Claudia. As belas imagens do Rio nas canções do Maestro Tom fluiam das bocas de gente de todas as idades, cantando junto , acompanhando essa menina que não é "canária", canta como gente mesmo. Essa garota que também empresta a beleza da sua voz e sua técnica apurada a tantos outros artistas, em gravações fazendo "backing", como que fluindo de um côro de todos os louvores. Essa querida amiga que tem Telles no nome, um nome que agrega o seu talento e o de sua mãe, uma página de ouro da nossa música, um Teles que também tem o escriba aqui, que já a elegeu irmã há muito tempo...Vou deixar escapar esse aspecto de termos o mesmo sobrenome? Como se fosse preciso...

Claudinha em seus shows sempre levanta a maior emoção da platéia quando canta seus dois maiores sucessos: "Fim de Tarde" e "Eu preciso te esquecer", duas pérolas de Mauro Motta e Robson Jorge, e que são pura Motown. A platéia, coral carioquíssimo, suingue zona norte, cantava junto enquanto eu, tocando, me lembrava que essas canções me chegaram primeiro pelo rádio, em alguma noite brasiliense de sintonia com a trilha sonora dessa terra de Claudia Telles, Sandra de Sá, Rosa Maria, Fernanda Abreu e tantas outras divas que mostram que a trajetória da música nascida dos negros americanos, no mundo, se espalha em mil linguagens e idiomas, mas só vale se for cantada com o suingue e a calma da alma, etérea como as ondas do rádio. Bela como as ondas do Rio
.

11 comentários:

Anônimo disse...

Bani, vc não me conhece. Sou amiga e colega de trabalho da Vânia. Como ela me deu seu endereço, tomei a liberdade de visitar.
Q saudade do Big Boy e seus rítmos de boate! Era demais. Bem legal a matéria sobre o rádio.Adorei.
Beth

João Bani disse...

Oi Beth,
Liberdade de visitar?Faça-me o favor..A casa é sua, visite sempre!
João Bani

Anônimo disse...

Amigo Bani,

Já tinha vc no rol dos meus grandes amigod, mas desconhecia o grande cronista, como ainda desconheço, o com certeza, grande músico.Gostei muito dos seus "escritos".Parabéns..


Celso ( Grajaú)

Anônimo disse...

Nossa... VC sempre me chuta os grampos com teus textos. Esse então...

Bjs, mano.

Anônimo disse...

que beleza de texto, João!

na casa da minha avó o rádio era exatamente igual!!!

e se tocou com claudinha... então vários anjos sorriram no céu, né não???

beijoooooooo

Anônimo disse...

Olá Bani,boa tarde!! :)
Poxa ,um texto mais belo que o outro vc posta,em cada texto uma emoção.
PARABÉNS BANI.

Beijos

Anônimo disse...

Bani, muito legal, o texto. Bicho, você resgatou uma coisa escondida nos sótãos da minha memória: a turma da maré-mansa. Eu era muito pequeno, mas me lembro por cima das gags desses caras. Vou até buscar mais informação sobre eles. O meu pai ouvia à noite, e eu ficava com ele dando risada...
Beijão, esse blog é show!

Anônimo disse...

Amor.
Depois dessa, acho que vou aposentar o meu blog...
Tá um espetáculo isso aqui!
bj
Nika

Anônimo disse...

Estou encantada com tudo que vc escreveu ... me senti vivendo cada pedacinho da sua história, cheguei a sentir o cheiro do mingau ... rsrs. Muito bom João, PARABÉNS!!!!

Luiz Alberto Machado disse...

Valeu, muito bom seu espaço, parabens. Voltarei mais vezes e indicarei nas minhas páginas.
Abração
www.luizalbertomachado.com.br

Anônimo disse...

BANIIIIIIII!!!!
VOLTA A ESCREVER NO BLOG, POR FAVOR!!!!!!
ADORO SUAS CRÔNICAS, CARA!!!!!!
VOCÊ É DEMAIS EM TODOS OS SENTIDOS DA PALAVRA!!!!!
TE AMOOOOOOOOO! rs
bjão