domingo, outubro 23, 2011

Se liga, Salvador

Moro no Rio desde 1995. Cheguei aqui no momento crescente ao ápice da violência urbana da capital carioca. Graças a Deus, nunca fomos alvos de abordagens violentas, agressões. Infelizmente meus filhos tiveram seus celulares roubados, por adultos desarmados, eles ainda crianças. Não foram agredidos, sempre os instrui a como agir nesses casos. Mas nada além disso, que aliás já foi bastante revoltante.
Nos primeiros meses aqui no Rio, houve noites em que eu não conseguia dormir, com o som dos tiroteios entre facções do tráfico, disputando os morros da Tijuca, onde morei inicialmente. O som dos tiros era algo comum, os lugares a serem evitados eram muitos, a tensão era constante. Mas os cariocas que eu conhecia repetiam: "Isso é em todo lugar! Toda cidade é violenta!"
Como músico, eu viajava pelo Brasil, até esquecia do som dos tiroteios. De volta ao Rio ,mal passava pela Linha Vermelha e tome som de tiro. Por vezes até correndo risco de ser atingido. E os cariocas: "Isso é em todo lugar! Toda cidade é violenta!"
Chacinas, gente morta e torturada, bondes cruzando a cidade, arrastões, mais e mais tiroteios, mortos por bala perdida, aleijados por bala perdida, e o carioca: "Isso é em todo lugar! Toda cidade é violenta!"
Um garoto é arrastado vivo se despedaçando no asfalto, por assaltantes, um helicóptero é derrubado por bandidos, um jornalista é torturado e morto e o carioca:
Bem.. o carioca começou a perceber que isso não ocorria em toda cidade do Brasil, Ou começou a admitir e colocar o orgulho e o bairrismo no seu devido lugar: no lixo. Porque enquanto se achar que o problema é menor porque seria "dos outros também", ele vai crescendo no nosso quintal.
Se liga, Salvador.

quinta-feira, setembro 29, 2011

As muitas gavetas do Rock in Rio

Tô indo hoje com Vania ao "Rhythm and blues and Soul and Symphonic in Rio".  Porque de fato, Rock nessa quinta feira no palco Mundo do Rock in Rio , só com muita boa vontade na homenagem ao Renato Russo, se aturarem o Minczuk. Fui dar uma olhada no som da Kesha, que eu não conhecia, e de rocker ali só a lembrança que sua imagem me trouxe da saudosa Rê Bordosa, personagem Junkie do cartunista Angeli.

Mas o assunto que ocupa as redes sociais,o tema  que impulsiona o lugar comum da web é a escalação de Claudia Leitte e Ivete Sangalo no festival. Comparações que projetam  hipotéticas participações de Mettallica em cima de um trio  no Carnaval Baiano, ou de Iron Maiden numa micareta, e por aí vai. Aliás, comecei minha ida profissional  tocando em trio elétrico (tocávamos Human Nature, tocamos até "Birdland", do Weather Report, em ritmo de galope) e acredito que os gringos adorariam tocar num trio, iam matar a pau e cair no gosto do carnavalesco baiano, sempre pronto para novas propostas sonoras,apesar do massacre midiático dos mesmos produtores e artistas de sempre. Taí: lançaram uma idéia. Não se admirem se num próximo carnaval uma banda Heavy do mais puro Rock esteja em cima de um trio, no carnaval baiano.

Essas situações de confronto entre tribos musicais me lembram um show  no Espírito Santo, longe dos holofotes, mas uma experiencia que vivi profissionalmente no fim dos anos 80. Escalado num festival onde as grandes atrações eram bandas como Angra e Sepultura, o artista baiano/brasiliense Renato Matos, no palco,  teve que dominar  uma enorme platéia de metaleiros raivosos que esperavam os irmãos Cavallera (ainda em começo de carreira, mas já um mito do  povo Metal) entrar e quase silenciaram em vaias o reggae-porrada de Renato. Até ele pegar da platéia uma bengala com uma caveira de cachorro e começar a repetir um refrão, aos brados: 'UNIVERSIDADE, PEDAIS E GUITARRAS CUSTAM OS OLHOS DA CARA", sacudindo no ar aquela cara de osso de cachorro, sem olhos... Ganhou o povo...Depois, Adriano Faquini salvou de vez a pátria trazendo de volta Janis e Hendrix com sua voz rara...Melhor que jogar água mineral.

Vejo essa discussão requentada sobre a alegada incoerência da participação de Claudia Leitte e Ivete Sangallo nesta edição do Rock in Rio mais uma vez, como  uma vitrine de marcação de posição e de limites, da afirmação pessoal do próprio gosto, feita de forma coletiva.
Aquela mijada no poste (ou no post?) que o cachorro dá: "Esse lugar é meu!" "Essa área é minha"!! "Ó meu nome aí"!!!

O descabelo do jovem rockeiro vendo artistas alienígenas num festival que tem nome de rock equivale ao "humpf" bovino e desdenhoso que o dândi jazzista-purista solta quando vê num dos muitos ditos "Festivais de Jazz" que pulsam pelo mundo, artistas das várias "gavetas" que a mídia precisa criar: "Étnicos", "World Music", "MPB", "Reggae" e...Rock!

Pra ilustrar, lembro aqui uma lista de artistas que se apresentaram em edições anteriores do Rock in Rio:

Baby Consuelo e Pepeu Gomes
Ney Matogrosso
(tô até considerando o Tremendão Erasmo como Rock)
George Benson
(tô até considerando o Folk James Taylor como Rock)
Al Jarreau
Gilberto Gil
Elba Ramalho
Ivan Lins
Alceu Valença
Moraes Moreira
Prince
Jimmy Cliff
New Kids On The Block
George Michael
Elba Ramalho
Ed Motta
Roupa Nova
Daniela Mercury
Milton Nascimento
Orquestra Sinfônica Brasileira
Carlinhos Brown
'N Sync
Britney Spears
Sandy e Junior
Zé Ramalho
Rihanna
Katy Perry
Stevie Wonder
Jamiroquai
Isso porque fui condescendente com alguns artistas que não citei, mas que não são artistas "do Rock".
Num mundo cada vez menor, fica cada vez mais difícil não bagunçar o gaveteiro. O pessoal tá muito "organizadinho", atitude nada rocker ;-) . 

segunda-feira, janeiro 17, 2011

As Brigadas Lúdicas sobem a serra.

Com Fotos de André Mantelli

O sol tímido despertando o domingo  no Rio não disfarçava o grande céu cinzento na direção da serra. O mini-ônibus partia do Circo-Sede da Crescer e Viver com 7 artistas entre palhaços, malabaristas, um fotógrafo e um músico, com Junior Perim à frente, organizando essa brigada lúdica. Segui com um pandeiro, alguns instrumentos de efeitos,  e representando nosso centenário Sindicato, observando de que maneira podemos engajar nossa participação nos próximos dias.

As paisagens da janela ainda na Baixada Fluminense disputam espaço com as que imagino encontrar no nosso destino. Os relatos de parte da equipe que um dia antes já estivera por lá nos preparam mais que o noticiário da TV, que os jornais.
Estrada adiante,  iniciamos a subida dentro daquela natureza grandiosa. Passamos pela entrada de Petrópolis, mais um pouco e chegamos a Itaipava, onde começam a aparecer os caminhões do Exército,  muitos carros com doações, muitos voluntários, numa manhã de trégua na chuvas,  mas em céu bastante encoberto.

Em Itaipava somos direcionados a fazer nossa atividade num abrigo no Vale do Cuiabá, para onde partimos, obedecendo a uma contínua e necessária triagem feita pelas autoridades no caminho. O desolamento da paisagem se aprofunda, a cerca viva ao lado da estrada, que antes cercava casas,  agora cerca o nada. Uma máquina de lavar pendendo de um galho de árvore da "nova" margem do rio nos dá uma idéia da tragédia.Colchões, chinelos, cadeiras, brinquedos, fogões, cadernos, espreguiçadeiras, automóveis dispostos no desordenamento imposto pela natureza implacável, que ainda assim prevalece em suavidade pela sua própria beleza.

Chegando ao local, um ginásio de um clube que se tranformou em alojamento abriga algumas famílias,com seus pertences que conseguiram recuperar e suas sentinelas vivas: seus queridos e fiéis "Hulks", "Shadows", "Rex's" e outros belos e nobres viralatas que serão suas casas onde elas estiverem. Suas casas são os corações dos seus donos.


Com  cabelos de fogo e olhos assustados de  água, o pequeno e machucado Caio nos recebe cumprimentando um a um. Do monociclo, dos malabares,  bolas, da alfaya, dos pandeiros, eles vão se acercando cumplices da alegria.
Guilherme quer ser músico. E vai ser dos bons: explorando o girassino, um instrumento percussivo com 5 notas de ré a lá , já descobriu algo parecido com "Frere Jacques", que ele conhece como "a música dos dedinhos, da Eliana".
Eduarda desenha casas lindas com canetinhas coloridas e me deu uma de presente.
Douglas mostrava o que aprendeu a tocar no pandeiro, na Igreja.

Mas num canto com a avó ao lado, com um psicólogo voluntário que atua na região, a Gabriela, irredutível chorava não querer saber mais de viver, quanto mais de palhaços, músicos, circo, pandeiro ou canção. Um choro mais de revolta que de dor. Revolta com a própria dor, com o próprio sofrimento. Para ela não tinha cabimento nenhuma alegria, até ser cortejada pelo Café Pequeno.

Café Pequeno, o palhaço,  faz surgir flores do chapéu, chegou com seu grande sapato, e o espetáculo começou, a trupe se desorganizou em círculo, a mulher mais alta do mundo, o monociclista, o malabarista, a palhaça amiga, o mestre de cerimônias..Hulk, Shadow e seus companheiros viralatas se transformaram em "Leões", os risos brotaram vivos em todos, e então reparei que Gabriela também gargalhava, sua beleza explodia em sorriso.
Aí quem quase chorou fui eu.


As Brigadas Lúdicas do Crescer e Viver, com a participação do SindMusi,  estão se organizando para novas ações ainda esta semana e nas próximas, e diferentes artistas poderão levar sua colaboração aos que precisam desse ânimo na alma, pra aguentarem a barra que estão passando.