Tirar as estradas dos mapas, viajar pelos sertões vencendo cada milímetro do atlas escolar, apertado entre irmãos numa Rural Willys, ou numa Kombi, isso é recorrente nas minhas lembranças da infância. Acompanhar meu pai em suas viagens pelas cidades do interior baiano onde ele ia inspecionar o ensino público do Estado. Tão devotado meu pai, um educador apaixonado pela profissão.
No início , o mundo rodoviário era entre Salvador e Seabra, na Chapada Diamantina , terra do meu pai e meus avôs, e cidades circunvizinhas. Um milhar de quilômetros adiante da Chapada, diziam as placas, havia Brasília.
Brasília.
Era só meter o pé na estrada, atravessar o São Francisco na balsa, comer muita poeira e chegar à Meca de JK, eu imaginava ainda menino. A Serra da Mangabeira, imponente, parecia demarcar o início da mudança de Sertão para Cerrado.
Sobre Brasília, tanto a se falar, mas o que prezo muito é a invejável condição que uma capital nascida do nada pode reunir: Exatamente por nascida do nada, nos trazer tudo. Todo o norte, todo o nordeste, todo o centro oeste, sul e sudeste, verdes, recém chegados , a criar animadas rodas de amigos, a conviver dendê com chimarrão, chula com carimbó , samba de roda com samba-canção.
Brasília segue submetida à pechas injustas e cruéis para uma cidade. Xingamentos que deveriam atingir sim a determinadas figuras que habitam seus gabinetes e escritórios de lobbyes, mas que têm suas matrizes, seus nascedouros de lama em seus estados de origem. Melhor ainda seria se atingissem antes nossas próprias consciências ao votarmos em nossas cidades, tendo compaixão com a Capital e com o País, mandando gente honesta para lá.
Mas muita gente honesta e amiga deixou suas terras, venceu suas serras da Mangabeira e aportou na capital ,desde sua construção até hoje, eleitos pela obrigação profissional , em sua maioria.
São inúmeras as pessoas em Brasília com quem desenvolvi laços de graus variados de amizade. Laços que desatam nós de preconceitos regionais, que nos mostram quão infame é qualquer motivação separatista ou xenófoba neste País.
A bordo da hospitalidade de famílias amigas , como a de Stenio Bruzzi e Dona Regina Vereza Bruzzi, pais do grande amigo Reginaldo, da Rita e da Marta, pude ampliar o alcance do meu atlas, da minha imaginária viagem dentro do mapa, observando diminuir a quilometragem restante para o destino daquela viagem de férias: O Estado do Espírito Santo, para onde seguia a família Bruzzi, eu convidado deles.
Lagoas de Coca-Cola, a fábrica de Bombons Garoto, a Praia da Costa, a Barra do Jucu, a vida marinha à mesa, eis o Espírito Santo. A beleza suave das capixabas, a fala meio mineira à beira mar. Ao norte, a Bahia, ao sul o Estado do Rio, a Oeste Minas, a leste o oceano com marlins azuis, badejos, peroás e onde a imaginação nos levar, o Espírito Santo , esse embaixador do criador, o canal de comunicação com o Pai.
Voltaria depois para participar de um show de aniversário da cidade de Cachoeiro do Itapemirim acompanhando o artista brasiliense Renato Mattos , quando mais um presente o Espírito Santo me deu: Um passeio numa Maria Fumaça por serras enflorestadas, com bandas de música nas estações, com presépios, laranjas, feijões e uma música de Gilberto Gil no walk man embalando o café-com-pão-café-com-pão do som ferroviário:
João Sabino :
Tava comendo banana pro santo
Pra quem?
Pro santo
Pro santo espírito senhor
Pai do filho do Espírito Santo
Senhor pai do filho do Espírito Santo
Senhor pai de quem?
Filho do Espírito Santo
Filho de uma localidade de lá
Nessa localidade de lá
Uma abertura de si
Uma embocadura pra dó
Sustenindo uma passagem pra ré
Mi bemol
Já traz o som, o eco
A claridade
Ainda um pouco abaixo do horizonte
Atrás do monte
De mi pra fá
Sustenindo, suspendendo
Sustentando, ajudando o sol
Nascer
Aqui na terra
Atrás da serra
Cachoeiro do Itapemirim
O sol nascer
João Sabino, eu imagino
Quando era menino, via assim
Melhor que qualquer fotografia , a música parece nos trazer de volta não só as imagens como os cheiros, o ar entrando pelas janelas do trem, a densa floresta debruçada sobre a serra recortada pelos trilhos, precipício acima e abaixo, uma beleza natural que parecia gritar ,abafando o ruído do trilhar do trem. Isso foi há mais de 20 anos.
Dia 16 de junho , sábado passado, cheguei quase à metade da idade do meu pai. Fiz quarenta e cinco, ele faz 92 em setembro. Segundo ele, cheguei à idade da maturidade, quando melhoramos, depuramos o que de melhor temos sido para conduzir nossas vidas, pois é o que temos daqui por diante. Tomara que esteja certo, pois percebi que o nível 4.5 traz de volta o embevecimento de menino e uma certa fragilidade que nos faz crescer diante de quem nos gosta, por aguçarmos nosso olhar, aprimorarmos nosso toque, dosarmos nossas palavras, nos despedirmos daquela tola mas necessária sensação de independência e onipotência que se inicia após a puberdade e nos acompanha durante um bom tempo, mas que tem prazo de validade.
Nesse dia eu estava em Vitória , no Espírito Santo, para participar de mais um show acompanhando Jorge Vercilo , no Teatro Glória. E foi sob efeito de 45 anos de vida e diante da platéia, que me vi por ela homenageado, pelo Vercilo e todos os outros irmãos dessa nômade família que é a banda.
Lá no palco ouvindo um parabéns pra você, encabulado, eu notava que um casal me acenava com um instrumento musical que eu não conseguia identificar na hora, mas que me proporcionou muita alegria, quando recebi das mãos de Néia e Júnior uma autêntica Casaca do Mestre Vitalino.
Não, o frio não era intenso, nem Mestre Vitalino se trata de um nome destacado em confecções de inverno. Casaca é como se chama uma espécie de reco-reco usado pelas bandas de Congo do Espírito Santo, trabalhado e esculpido com esmero, de sonoridade forte e expressiva.
Um mimo sonoro que vai me acompanhar em muitos sons por aí, marcando mais uma vez na minha vida a simpatia do povo capixaba.
Era mais um presente do Espírito Santo
És empírico Santo, Espírito. Só experimentando pra saber.
9 comentários:
Bani,
Eu não poderia deixar de ser a primeira a comentar
Que coisa mais linda esse texto,é de emocionar!!Fico muito feliz em ver o seu carinho pelo nosso Espírito Santo.
Sejam sempre muito bem vindos
Fique com Deus e muito sucesso!
Bani, que perfeição!
Você se superando cada dia mais.
Gostaria muito ir no ES e tb no RJ, um dos meus maiores sonhos.
A música nos faz viajar no tempo, nos faz refletir...
É impressionante!
Que legal que a Néia te deu um presente desses! Que criatividade.
Espero te ver tocando essa Casaca ainda.
abraço
Grande Bani, agora só deu vontade de pegar a estrada e sair por aí, que coisa boa seu texto e essa letra do Gil é demais, e tem um movimento né ?
Fui eu alexmono@gmail.com quem publicou a mensagem pelo fórum da música-PE, quem puder dar uma olhada no nosso blog e no
www.oucapernambuco.blogspot.com lá pode-se assistir vídeos de artistas pernambucanos.
abraço ao Bani
Bonito, seu Bani!!!
:)
Beijão!
Bani, que coisa mais deliciosa de se ler que é o seu blog!!! Adorei!!!
Beijocas, Lu.
PS: parabéns atrasados procê, mas de coração, viu????
Parabens, muito bom seu espaço. Estarei indicando nas minhas páginas.
Não deixe de ver meus clipezinhos poéticos & musicais no http://www.youtube.com/luizalbertomachado
e no
http://www.myspace.com/luizalbertomachado
Beijabrações & tataritaritatá!
www.luizalbertomachado.com.br
PS: vem aí a atualização do Guia de Poesia, aguarde.
Obrigado pelo carinho, pessoal.
abraços
Bani,
Vamos desenhar uma arvore genealogica?
Entre em contato!
Abraço!
Luciana Bani
lucianabani@hotmail.com
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