

O rádio , volta e meia, mostra que está bem vivo.
Acessório indispensável em muitas situações, recentemente vivi uma delas quando, passando em frente a um Maracanã onde Flamengo e Atlético Mineiro se enfrentavam, resolvi assistir à segunda metade da partida, e cheguei como pé-quente: em poucos minutos de segundo tempo, o rubro negro carioca ampliou o placar.

O rádio da casa dos meus avós , na Várzea do Caldas, Bahia, se bem me lembro, era em madeira, com telas de tecido na proteção do alto falante, botões grandes frontais e um "dial" que trazia ondas em diversas metragens de banda.


As ondas nos traziam restritas e censuradas notícias de Brasília. A vida nos levou até ela.
Na Capital , meu pai, investido nas suas novas funções no Ministério da Educação, viajava o país inteiro a serviço, e de uma dessas viagens me trouxe um rádio de Manaus. Um Mitsubishi, com capa de couro, que acho hoje ser o meu I-pod de então. Não havia emissoras

O discotecário carioca,figuraça e muito louco, pela rádio Mundial, me levava os primeiros acordes da música que toca e tocará sempre a vida de muita gente dos 12 anos em diante: o rock, o soul, a cena pop do momento. Digo isso pois vejo meus filhos repetirem essa trajetória no seu gosto musical, sem prejuizo do ecletismo e da saudável disposição a conhecer outros estilos.
Pela Mundial eu ouvi certas músicas somente uma vez, e faltando pedaços, que a "estática" se encarregava de encobrir, inclusive o anúncio do título e do intérprete. Hoje em dia, a estática está aposentada: As rádios FM tocam as músicas e não esclarecem nem quem as está cantando, quanto mais que as compôs.
Mas o som que vinha do Rio me trazia a Motown, a legendária gravadora de black music norte americana: Diana Ross, Jackson Five, Gladys Knight,The Commodores, Stevie Wonder. Do outro lado do quarto, meu irmão mais velho ouvia as mensagens cifradas da MPB engajada de Chico, Caetano, Gil driblando a censura, cinzeiro em cima do jornal Pasquim...
Eu ligava o meu rádio e através do "egoísta" (como chamavam o fone de ouvido mono) tentava conhecer um pouco daquele Rio distante, através dos anúncios das lojas, lanchonetes ( vivia a imaginar o sabor de um lanche no Gordon, no pioneiro Bob´s) do noticiário, e principalmente do que seria a atmosfera envolvida por aquela música que nem brasileira era, mas que parecia tanto com o Rio.
Que outra cidade poderia nos revelar a autenticidade de um Cassiano, um Hildon, um Tim Maia, uma Lady Zu em sua soul music, no rithm'n blues? Podem os guardas alfandegários das fronteiras musicais terem implicado em muito com eles, mas quero dizer aqui: Tinhorão, críticos, naquela época eu nem sabia quem eram vocês. Segundos cadernos de jornais: Eu não os lia. Que bom.
Refleti muito sobre isso nesse fim de semana, tocando meu djembé com vassourinhas, cajon e pratos, num Shopping em del Castilho em acompanhamento a uma querida amiga, cantora admirada e talentosíssima: Claudia Telles, com o mestre Marcelo Lessa ao violão..

Diante de uma platéia onde as estrelas eram as mães , as homenageávamos com um repertório de Jobim, presente no último Cd da Claudia. As belas imagens do Rio nas canções do Maestro Tom fluiam das bocas de gente de todas as idades, cantando junto , acompanhando essa menina que não é "canária", canta como gente mesmo. Essa garota que também empresta a beleza da sua voz e sua técnica apurada a tantos outros artistas, em gravações fazendo "backing", como que fluindo de um côro de todos os louvores. Essa querida amiga que tem Telles no nome, um nome que agrega o seu talento e o de sua mãe, uma página de ouro da nossa música, um Teles que também tem o escriba aqui, que já a elegeu irmã há muito tempo...Vou deixar escapar esse aspecto de termos o mesmo sobrenome? Como se fosse preciso...
Claudinha em seus shows sempre levanta a maior emoção da platéia quando canta seus dois maiores sucessos: "Fim de Tarde" e "Eu preciso te esquecer", duas pérolas de Mauro Motta e Robson Jorge, e que são pura Motown. A platéia, coral carioquíssimo, suingue zona norte, cantava junto enquanto eu, tocando, me lembrava que essas canções me chegaram primeiro pelo rádio, em alguma noite brasiliense de sintonia com a trilha sonora dessa terra de Claudia Telles, Sandra de Sá, Rosa Maria, Fernanda Abreu e tantas outras divas que mostram que a trajetória da música nascida dos negros americanos, no mundo, se espalha em mil linguagens e idiomas, mas só vale se for cantada com o suingue e a calma da alma, etérea como as ondas do rádio. Bela como as ondas do Rio
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